Casos de trabalhadores pais ou responsáveis por crianças com transtorno do espectro autista (TEA), dos setores público e privado têm conseguido na Justiça o direito à redução de jornada de trabalho sem desconto salarial para poderem dedicar tempo necessário aos cuidados com aos seus filhos dependentes. O entendimento do judiciário trabalhista tem se baseado na Lei 8.112/1990 que prevê horários especiais para servidores públicos federais, quando estes têm sob sua responsabilidade dependentes com deficiências.
Um dos casos que ganhou repercussão se refere à uma ação coletiva movida pelo Sindicato dos Bancários de Pelotas (RS), filiado à CUT, reivindicando da Caixa Econômica Federal (CEF), a adoção da redução não apenas para os trabalhadores com TEA, mas também aos demais bancários e bancárias com outras deficiências (PCD). Além disso, a decisão do desembargador Roger Ballejo, do Tribunal Regional do Trabalho (TRT), da 4ª Região, foi extensiva aos pais e responsáveis de crianças com TEA e PCD.
Neste caso, trabalhadores da Caixa fazem parte da categoria de servidores federais que têm amparo na citada Lei 8.112 que garante esse direito. Mas, não somente no setor público as decisões têm sido favoráveis.
Outros casos
Em junho de 2023, a Justiça do Rio Branco, no Acre, decidiu que um trabalhador da iniciativa privada, pai de criança diagnosticada com o transtorno do espectro autista, tivesse direito à redução da jornada de trabalho em duas horas diárias para cuidar do filho, também sem desconto no salário e tampouco exigência de compensação de carga horária.
Em setembro de 2023, a Justiça do Trabalho da 7ª Região, que abrange estados do Nordeste, também beneficiou uma trabalhadora que alegou não conseguir cuidar do filho com TEA, dada a carga horária de trabalho ser em horário comercial. Ela teve a jornada reduzida em 50%.
Há ainda mais decisões semelhantes em outros locais do país, um deles no estado de São Paulo. A 1ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região determinou que a Fundação Casa de São Paulo reduzisse em 50% a jornada de um trabalhador nas mesmas condições.
É um direito?
Por se referir somente a servidores públicos civis federais, a Lei 8.112 não abrange servidores municipais e estaduais, que ficam condicionados a leis e regras locais. Na inciativa privada, a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), não tem nenhum dispositivo que discorra sobre o tema. Mas é possível garantir a redução de jornada, via Justiça do Trabalho.
A advogada especialista em Direito do Trabalho, Francielle Carvalho, sócia do escritório LBS, que presta assessoria jurídica à CUT e atuou no caso de Pelotas, explica que na CLT não há previsão de redução de jornada para esses casos, mas “o judiciário trabalhista tem justificado a redução na Constituição Federal e pela Convenção das Pessoas com Deficiência, já ratificada pelo Brasil, no Estatuto das Pessoas com Deficiência”.
“O Judiciário vem se utilizando desses mecanismos e justificando com o princípio da dignidade da pessoa humana e da tutela da saúde, o que por sua vez, se aplica, por analogia, à lei dos servidores federais, visando sempre alcançar um bem estar social das famílias das pessoas com deficiências”, pontua.
A advogada reforça que o caminho a ser trilhado para que trabalhadores garantam a redução de jornada ou até mesmo o direito ao home-office, a depender do caso, deve passar por orientação jurídica e, em especial, com acompanhamento do sindicato da categoria à qual o trabalhador ou a trabalhadora pertença. “A atuação sindical é importante para pressionar que os direitos sejam garantidos”, ela afirma.
Pais e responsáveis de filhos com transtorno do espectro autista necessitam dedicar seu tempo ao trabalho de cuidado de seus filhos
A rotina envolve diversas atividades como levar a criança ou adolescente a médicos, terapeutas e demais cuidados. Muitas vezes a Justiça determina que haja uma redução, mas há também a alteração do regime de trabalho para o home-office.
“Em algumas situações é possível que essa mudança seja necessária para o cuidado com as pessoas com deficiência. Em outros casos é preciso a redução para acesso a tratamento, à educação”, diz a advogada.
Para ela, é preciso que a sociedade e o mercado de trabalho entendam que esses trabalhadores têm especificidades e atender às necessidades dessas pessoas é benéfico.
“Familiares de PCD têm grande dificuldade para conciliar os horários com o trabalho de cuidado. Por isso, a execução dessas medidas pela Justiça é um passo importante na busca por igualdade de oportunidades para essas pessoas”, ela ressalta.
Ao citar a igualdade de oportunidades, a advogada se refere ao fato de que muitos genitores acabam deixando o emprego para poder cuidar de seus filhos PCD. E geralmente, ela salienta, são as mulheres, as mães, que acabam assumindo esse papel.
“É preciso entender que a participação direta da mãe é imprescindível para que o tratamento da criança tenha eficácia. A não concessão do direito violaria direitos e garantias fundamentas da pessoa humana”, observa.
Portanto, ela diz, para que essas pessoas tenham igualdade, elas precisam ter o aceso à saúde e à educação e é preciso fornecer mecanismos e políticas que proporcionem essa igualdade. Um desses mecanismos é buscar na Justiça o direito à redução da jornada.
Já no que diz respeito a políticas públicas específicas, o trabalho de cuidado, que abrange não somente pessoas com deficiências, mas também as demais crianças, idosos parentes com comorbidade, entre outros, tem sido debatido pelo governo federal.
Ainda no ano passado, foi formado um grupo interministerial para discutir a criação de uma Política Nacional do Cuidado, que deve ser elaborada pela Secretaria Nacional de Cuidados e da Família.
Fonte: CUT Brasil